Corumbiara, caso enterrado[1]
Por Daiana Cristina Silva [2]
O livro-reportagem Corumbiara, caso enterrado (2017), do jornalista brasileiro João Peres e do fotógrafo argentino Geraldo Lazzari, é resultado de uma pesquisa intensa sobre o conflito agrário ocorrido no sul de Rondônia. O livro apresenta um pequeno resumo que nos instiga adentrar na leitura para compreender como muitos fatores, sob diferentes testemunhos, se cruzaram para resultar no conflito agrário em 1995. O livro tenta esmiuçar por que a investigação segue inconclusa, marcada por julgamentos com depoimentos circunstanciados, em um contexto complexo marcado por interesses opostos.
Ancorado no rigor de sua argumentação baseado em dados, mapas, arquivos de reportagem, relatórios e testemunhos dos entrevistados, o autor apresenta seu profundo conhecimento do tema e articula-se sobre as principais temáticas do livro: reforma agrária, poder político e violência no campo. As imagens de Lazzari interagem com os 28 capítulos do livro com fotos coloridas e em preto e branco.
O livro abre com cinco fotografias com a paisagem atual de Rondônia: o convívio social de moradores, a exploração de madeiras, as gigantescas torres de energia que atravessam o estado, a placa de orientação de destino e um menino na porteira.
Após esta sequência de imagens, Peres introduz o leitor aos capítulos seguintes com um breve histórico de Rondônia caracterizado como o “Novo Oeste brasileiro” e destaca a dificuldade de acesso à informação pública na região junto aos órgãos públicos. Segundo o autor, a concessão é vista pelos funcionários locais como conteúdos de propriedade de grupos governamentais específicos, contrariando ao que está disposto na Lei de Acesso à Informação pública nº 12.527/2011 sancionada em 2012.
Ao resgatar os fatos históricos concernentes às relações sociais, políticas e econômicas vigentes na região de Corumbiara, o autor instiga o leitor a refletir sobre o conflito agrário em Corumbiara: foi um massacre? Chacina? Ou um combate?
A dedicatória do livro destaca os seus agradecimentos, principalmente às vítimas em Santa Elina, às 676 pessoas assassinadas em conflitos agrários desde o episódio de Corumbiara, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
O gênero literário foi adotado pelo autor para traçar caminhos e cruzar histórias de ângulos tão diversos para relatar o caso de Corumbiara. Não é um livro que pretende agradar adversários, criar heróis ou enaltecer mocinhos e vilões. A obra propõe refletir sobre a complexidade de um conflito agrário que merece ter a sua memória resgatada. Deste modo, a narrativa do livro é composta por temáticas delicadas e complexas que, infelizmente, continuam gritantes na história social do campo no Brasil. Deixa a obra evidente que Rondônia, um dos últimos redutos de ocupação migratória no País, poderia ter tomado outros rumos, mas segue vulnerável aos conflitos sociais no campo, cujos protagonistas são os trabalhadores de campo pobres, os grandes fazendeiros e políticos locais e autoridades policiais corruptos.
Peres discorre sobre os pobres colonos que vieram de outros estados em busca da terra prometida e os grandes projetos de integração nacional executados pelo o governo federal para amenizar as pressões sociais no Nordeste e Sul do País: Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (POLONOROESTE ,1980) e em seguida, o Projeto Agropecuário e Florestal de Rondônia (PLANOFLORO ,1989).
O livro enfatiza os interesses de corporações econômicas e de latifundiários na região que receberem grandes áreas de terras de solos férteis e subsídios econômicos. Para o autor, informar sobre esse cenário é fundamental para que o leitor compreenda o que foi o conflito de Corumbiara.
Seguem, após a contextualização histórica e social, os testemunhos de líderes do movimento camponês em Corumbiara: Adelino Ramos, Cícero Pereira Leite Neto e Claudemir Gilberto Ramos e as versões de autoridades locais.
Com tantas contradições aparentes, o autor reorganiza as principais versões do mesmo conflito em busca de respostas. De um lado, os posseiros que acreditavam em uma negociação com o Estado para permanecer na terra; de outro, policiais que “obedeceram” a uma ordem de reintegração de posse.
A narração do livro é circunstanciada aos relatos de Claudemir Gilberto Ramos. São estes, pontos de encontro para Peres tecer a evolução da trama resultante na tragédia de Corumbiara. Autor destaca a trajetória de Claudemir que, de líder de movimento social no campo, torna-se um foragido cuja vida é uma verdadeira prisão. Para contextualizar a situação judicial de Claudemir, Peres contextualiza fatos significativos da realidade social no estado Rondônia, que se destaca no ranking na lista de mortes no campo e nos presídios; a penitenciária de Porto Velho, o Urso Branco, só perde para o Carandiru, de São Paulo, em número de mortes.
Os interesses privados e suas relações com o governo vigente são pontuados na obra. Os fazendeiros, Hélio Pereira e Antenor Duarte, são protagonistas no campo político e econômico. Antenor, descrito como um representante que defende os interesses de grandes proprietários rurais na região, recebeu do governo militar 43.922 hectares. Peres considera que o crescimento exponencial de Antenor poderia ser temática de discussão sobre a relação Estado e setor privado, entre Estado e concentração de riqueza, Estado e impunidade.
Peres destaca o comportamento do ex-governador de Rondônia (1995-1998), Valdir Raupp de Matos,procurado para entrevistas por ele, mas sem sucesso. Ressalta que, após 20 anos do conflito, ele se nega a pronunciar sobre a autorização de reintegração de posse emitida durante o seu governo.
Segundo o livro, o caso Corumbiara teve repercussão nacional e internacional e permanece ainda sem respostas e com as pontas soltas.
[1] PERES, João. Corumbiara, Caso Enterrado. São Paulo: Elefante, 2017. 304 páginas.
[2] Graduanda do 7 º período do curso de Jornalismo da Universidade federal de Rondônia (UNIR). Bolsista PIBEC do projeto de extensão: Comunicação e educação: a contribuição de narrativas imagéticas para a superação da degradação e desigualdade ambiental em Rondônia.